Modelos e Práticas Construtivistas


  Terapias Focada nas Emoções, Experiênciais e de Coerência
A. Henriques | J. Serra
 
Apresentação
 
Ao longo de percursos de vida mais ou menos complexos, adversos ou traumáticos, de experiências sociais e culturais mais ou menos consistentes ou contraditórias, experimentamos e organizamos vivências relacionais e visões do mundo que vamos guardando de forma tácita e automática. Sem que tenhamos que ter consciência da sua constituição e funcionamento, estas memórias (crenças, esquemas, construtos) são os recursos de que dispomos para a compreensão e adaptação ao mundo e acabam por ter o controlo operacional da nossa mente e comportamento, podendo ser úteis e funcionais ou, com o decorrer da experiência e de mudanças contextuais, revelarem-se insuficientes ou perturbadoras.

Trazer para a frente da nossa consciência estas memórias, temas e processos, o próprio entendimento tácito das coisas, tem sido um dos grandes desafios das psicoterapias desde a sua fundação no início do século XX. Esta procura da mudança ou transformação profunda e consistente, com base na revelação, na descoberta e no insight, no entendimento dos princípios superiores que operam na mente de cada pessoa, e que ocasionalmente a impedem de bem-estar, adaptação e desenvolvimento, tem sido um dos desígnios mais valorizados e procurados por diferentes escolas de psicoterapia, desde a psicanálise às cognitivo-comportamentais. É a arte maior que psicoterapeutas de todos os quadrantes gostariam de praticar, cumprindo a promessa da mudança e eficácia que validariam a psicologia e a psicoterapia como disciplinas capazes do conhecimento profundo da mente, dos seus mecanismos, e de neles operar, ajudando de forma mais eficaz uma maior população de problemas psicológicos responsáveis por todo o tipo de sofrimento e desadaptação social e funcional.
 
Este caminho - ajudar as pessoas a sentirem-se melhor consigo mesmas, com os outros, com as suas vidas, descobrindo e compreendendo os processos psicológicos ou mentais que estão a utilizar e que criam bem-estar ou mal-estar, integração ou conflito interno, adaptação e  desenvolvimento ou desadaptação e paralisia – implica, amiúde, identificar e integrar experiências do percurso de vida a que estamos presos ou agarrados, explorar formas aparentemente contraditórias de olhar as relações e o mundo que co-habitam em nós, reconstruindo e recuperando a coerência e integridade onde elas pareciam não existir, ou identificando, aceitando e conciliando essas contradições como verdades legitimadas na complexidade e diversidade do percurso experiencial.

 

 

 
 
 
 
 
Assim, aprender a relacionarmo-nos, enquanto pessoas e psicoterapeutas, com os diferentes níveis ou posições em que a mente pode operar, aceitando a complexidade e dualidade de um self descentrado e dialógico, e a sua plasticidade adaptativa, é do que trata este módulo. Sugere-se que o façamos aceitando, em função desta complexidade e dualidade, mudar de modo de análise e relação com os processos mentais em causa, recorrendo quer à mais abstracta e mais metacognitiva metacomunicação, quer à mais concreta, activa, sensorial e emocional «experienciação» desses processos. De resto, esta fecundidade integradora de diferentes escolas de terapia e da modularidade cerebral é uma das marcas de água das matrizes metateóricas construtivistas.

Ao longo destas 12 semanas e igual número de encontros, partilharemos metateorias, teorias e práticas que assumem  a dualidade funcional da mente, a sua modularidade, a dialéctica construtivista do seu funcionamento, integrando processos não apenas cognitivos e comportamentais, mas preferencialmente emocionais e afectivos, como elementos de um mesmo sistema de conhecimento. Teremos a oportunidade de aprofundar, a diferentes níveis, o nosso conhecimento teórico-prático de três modelos terapêuticos construtivistas:
1) A Psicoterapia dos Construtos Pessoais de George Kelly, que desde os Anos 50/60 do século passado se mantém como modelo inspirador de psicoterapeutas de renome como R. Neimeyer, D. Bannister ou F. Fransella, e que trouxe à psicoterapia concepções (por exemplo, construto, alternativismo construtivista, a pessoa como cientista...) e estratégias de intervenção (auto-caracterização, terapia de papel fixo, grelha de repertório...) ainda hoje inovadoras e atraentes.

2) A Terapia Centrada nas Emoções de Leslie Greenberg et al., modelo integrado com três décadas de existência e vários estudos empíricos a certificar a sua eficácia, que combina princípios centrados-no-cliente, gestálticos, experienciais e cognitivos, e afirma a proeminência das emoções na construção do self e na auto-organização do indivíduo.

3) A Terapia de Coerência de Bruce Ecker e Laurel Hulley, modelo considerado como uma das  vertentes mais promissoras do construtivismo clínico, e que procura conjugar a profundidade com a brevidade da intervenção terapêutica mediante uma linguagem despatologizadora, um acervo de técnicas altamente precisas e focadas nos processos emocionais e inconscientes e uma postura clínica que almeja promover mudanças profundas com elevado grau de consistência.

Contamos que todos possamos construir um percurso de boas descobertas e aprendizagens, que nos humanize e enriqueça como pessoas, colegas e, em particular, como psicoterapeutas.